A expressão da certeza, da incerteza e da dúvida em português brasileiro através de meios prosódicos (César Reis – UFMG)
 
As atitudes do falante, na perspectiva da Teoria dos Atos de Fala, está representada pela condição de sinceridade, que, juntamente com o propósito ilocucionário e a direção de ajuste, constituem as principais dimensões da força ilocucionária (Searle, 1995). O autor parece identificar apenas quatro estados psicológicos: crença, intenção, desejo e prazer. Dentro dessa perspectiva, a expressão da certeza, da incerteza e da e dúvida constituem a manifestação de uma crença, pertencendo, portanto, aos atos ilocucionais assertivos, que Searle assim define:

O propósito dos membros da classe assertiva é o de comprometer o falante (em diferentes graus) com o fato de algo ser o caso, com a verdade da proposição expressa. Todos os membros da classe assertiva são avaliáveis na dimensão de avaliação que inclui o verdadeiro e o falso.

Na comunicação ordinária, as asserções não envolvem comprometimento particular do falante com o seus enunciados. O falante afirma, responde, relata, descreve, mas pode negar o que afirmou, retificar a resposta, refazer o relato e modificar a descrição. Há situações, entretanto, em que o falante afirma, responde, relata, descreve e, além disso, reveste esses atos de fala de uma garantia, de certeza. Isso acontece, quando reafirma, contesta e testemunha.
Na comunicação quotidiana, a certeza tem fundamento mais na crença do falante do que na objetividade dos fatos. Portanto, a expressão de certeza não está necessariamente associada à verdade dos fatos. Trata-se, pois, de uma certeza subjetiva ou de certeza fundada, por exemplo, numa relação de poder entre os interlocutores.
Para expressar seu grau de envolvimento com uma asserção, o falante se utiliza de vários meios, como meios lexicais e sintáticos (Ex.: te garanto que ele não vai vir; tenho certeza de que ele não vai vir; é claro que ele não vai vir; ele não vai vir, é lógico; esse relógio nunca foi dele) e meios prosódicos, isto é melodia, intensidade e tempo.
Neste trabalho, o conceito de certeza é o da asserção em que algum tipo de comprometimento explícito do falante com a verdade do fato expresso é prosodicamente marcado.
Ao lado da certeza, examinaremos a atitude de dúvida, pois, são comumente vistas como atitudes polares. Nessa perspectiva a certeza corresponde à formulação de um julgamento, enquanto a dúvida resultaria de uma suspensão do julgamento. A certeza teria sua origem numa tomada de decisão, enquanto a dúvida seria gerada pela indecisão.
Levando-se em consideração, entretanto, o conceito de certeza acima, não se pode dizer que a dúvida é a ausência de comprometimento explícito do falante com o fato expresso prosodicamente marcado. Por essa razão, ao invés de considerar certeza e dúvida como conceitos antagônicos, podem, também, ser considerados como ortogonais no espaço das atitudes expressas pelo falante.
Neste trabalho, o conceito de dúvida é a incapacidade ou impossibilidade, muitas vezes temporária, de escolha, normalmente entre duas opções.
A primeira abordagem de dúvida acima torna-se mais atraente, quando se quer correlacionar certeza, dúvida e incerteza, sendo a incerteza uma atitude que pode pender para um ou outro pólo.
Neste trabalho, consideramos a incerteza uma atitude escalar entre a dúvida e a certeza.
Este trabalho é uma contribuição para o estudo prosódico da expressão das atitudes de certeza, incerteza e dúvida, consistindo de uma parte pragmática, exploratória, e de uma parte fonética. Para a realização desta última, serão realizadas análises acústicas dos seguintes parâmetros: frequência fundamental, intensidade e duração de três enunciados para cada uma das atitudes analisadas. Esses enunciados foram produzidos por trinta estudantes do curso de Letras, sendo quinze homens e quinze mulheres.
Além da análise acústica dos fatos prosódicos, discutiremos, também, as dificuldades de obtenção de dados para a análise acústica da expressão de atitudes, buscando nas experiências de trabalhos desenvolvidos no Laboratório de Fonética da Faculdade de Letras da UFMG elementos que contribuam para o aprimoramento de procedimentos metodológicos.